segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A TELEVISÃO, "ROQUE SANTEIRO" E DIAS GOMES

Não há sombra de dúvida de que a televisão, principalmente a aberta, não tem  quase nada de bom.  Mesmo as tevês por assinatura deixam muito a desejar, porque as produções cinematográficas dos últimos quinze anos são, em sua grande maioria, absolutamente sofríveis, difíceis de assistir sem dar um muxoxo e mudar de canal.  E mudar em vão, porque, se você não for apaixonado por ciências  e não estiver a fim de saber como foi inventada a máquina fotográfica, ou se ainda não quiser ver um sujeito que finge que está fazendo sobrevivência e dá realismo à sua brincadeira em matar e estripar animais na sua frente ( o desgraçado uma vez abateu uma rena a faca e comeu-lhe o coração ali  na hora, para delírio dos sádicos), você só terá como opção assistir à Animal Planet, mas com um ônus:  ficará desolado e transtornado, porque os caras dão preferência a mostrar animais sendo abatidos por predadores ao invés de mostrar os hábitos dos bichinhos.

Em resumo, a televisão oferece pouquíssimas alternativas, e a Globo, que não é nem um pouquinho diferente das outras emissoras, só apresentando entre suas raríssimas exceções o "Globo Repórter", que nem parece produção da mesma empresa que tem a cara-de-pau de mostrar um programa ridículo, rasteiro,  barato, apelativo, piegas e imbecilizante como o "Big Brother Brasil ".  A Globo tem dessa coisas: de vez em quando produz algo como "O Tempo e o Vento", "Mad Maria", "Os Maias", etc, mas isto acontece uma vez a cada passagem do cometa  Halley pela Terra.
Tanto é verdade que acontece a cada passagem do cometa Halley, que "Roque Santeiro",uma dessas raridades, vem justamente na época de o astro ser visto por aqui.  
Roque Santeiro é uma anedota brilhante do falecido Dias Gomes.  Reprisada hoje no Canal Viva, que é para  onde os globais mandam algumas de suas boas produções (mas longe de mim querer dizer que o Viva é um bom canal, porque também é cheio de esterco televisivo), me faz a cada dia mais certo de que esta novela é a melhor novela brasileira de todos os tempos.  Tudo na telenovela me fascina: primeiramente o enredo, depois a interpretação dos atores e a maneira como estes compuseram os seus personagens, por fim os cenários e a álacre atmosfera que neles existe.   O grande fato é, enfim, que é um enorme prazer ficar grudado diante da tevê a assistir aquela ideia brilhante do genial autor de preciosidades como "O Pagador de Promessas" e "O Bem-Amado" (a novela e a série) entre outras pérolas.  A gente se delicia com o casal cômico-romântico Sinhozinho-Porcina, representado pelos talentosos Lima Duarte e Regina  Duarte; dá-se ao luxo de observar atores como Armando Bógus (também excelente e infelizmente também falecido), Cássia Kiss, Othon Bastos, Yoná Magalhães, Ary Fontoura e outros;  vê a perfeição com que  Paulo Gracindo e Cláudio Cavalcânti , cada um mostrando um setor (um, conservador, outro, progressista) da Igreja Católica.  O morto e então  idoso ator encanta a gente na pele daquele padre severo, mal-humorado, rabugento, mas omisso e de certa forma conivente com as articulações  menos justas e éticas dos vilões de Asa Branca, cidade que se tornaria objeto de uma verdadeira apocalipse se viesse à baila toda a verdade sobre Roque Santeiro (vivido pelo também grande José Wilker).  A economia da cidade dependia do mito, porque este gerava empregos porque induzia à fabricação e comércio de artigos religiosos, à vinda de  procissões e romarias à cidade e assim ao turismo, outra atividade de peso que contribuía para a saúde financeira do lugar.  Toda a engrenagem girava em torno da mentira, que, se uma vez revelada, faria tudo ruir.
"Roque Santeiro", que substituiria em 1975 a novela "Gabriela"(outra preciosidade, embora não do tamanho da de Dias Gomes), foi na época vetada pela censura dos militares, só podendo ir ao ar em 1986.  Deixa na gente um sentimento de perda muito grande, porque a genialidade de Dias Gomes só é desfrutada porque sua obra ficou, mas é duro saber que nada mais o autor poderá criar.  É triste, porque acho que os bons e os talentosos (do bem ) não deveriam morrer nunca.

2011

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