Episódio de hoje: MÃOS À OBRA!
Quando o deputado Sandro Lessa, que defendera o debate sobre o sexo dos anjos, deixou o plenário, foi logo cercado por Jonas Pereira Jojoba, que se fazia acompanhar de Armando Lontra, conhecidíssimo lobista.
- Pô, Lessa, gostei da tua ideia!
- Mesmo? Obrigado. - e tentou sair andando, mas foi parado pelos dois.
- Ô Lessa, peraí, cara! Tu não percebeu a magnitude da coisa?
Lessa parou a pensar por momentos, respondeu:
- Ué? Você não sabia que essa discussão é só pra desviar pra ela própria a atenção da opinião pública, enquanto a gente discute o fim de um monte de direitos dos trabalhadores...? Foi isso que nos encomendaram: fazer um alarde sem tamanho em torno de um assunto sem importância e votar na surdina temas que vão prejudicar as classes trabalhadoras.
- Sei disso - ratificou Jonas - Sei e tô dentro da jogada, meu filho. Não é à toa que a mídia vai dar amplo apoio e divulgação à questão do sexo dos anjos, porque é preciso desviar os olhares da classe trabalhadora.
- E não podia deixar de dar - continuou Sandro Lessa - se eles, donos de jornais e de tevês empregam um monte de gente e vão também se beneficiar...
- Sem contar os incentivos fiscais - entrou o lobista Armando - verbas para custeio de projetos próprios, porque o governo e os políticos desta Casa, na maioria patrões, sabem ser gratos a quem os apoia, principalmente sabendo que vão precisar sempre desses mesmos que hoje lhes dão sustentação... Mas não é essa a questão.
- É! Apoiou Jonas - Não é essa a questão.
- Então - indagou Lessa, já meio impaciente - qual é questão?
Jonas gesticulou:
- Pô, Lessa, tu não sacou?!
- Pô, Excelência, tu não sacou? - apoiou Armando.
- Não. - respondeu Lessa.
- É o seguinte - começou a explicar Jonas: - Esse negócio de sexo dos anjos, com ampla cobertura da mídia e coisa e tal, vai permitir que a gente evite alguns temas realmente polêmicos, como também destrua direitos sociais sem ninguém perceber, além de ter um ponto muito mais interessante..
- Mais interessante?
- É, Lessa! Di-nhei-ro pú-bli-co pa-ra a pes-qui-sa do se-xo dos an-jos, en-ten-deu?!!!
- Ah! - atinou Sandro Lessa.
- Pô, Excelência ! - manifestou-se o lobista.
Sandro, animado, quis logo os detalhes:
- E como a gente vai fazer?
- É aí que eu entro - disse o lobista - Eu conheço um mago que "sexangeia"
como ninguém...
- "Sexangeia "?
- Pô, Excê! Um cara que vive de desvendar o sexo dos anjos... Vai cobrar uma fortuna!
- Mas peraí - replicou Sandro - Se ele vive de desvendar, então já descobriu, não é preciso pesquisa...
- Pô, doutor, não é bem assim...
- Ué? Mas se ele vive de desvendar, como já não sabe?
- Pô, Excê! Ele vive de desvendar, mas não quer dizer que ele saiba...
- Ué? Como é isso, então? Se vive de desvendar e nunca desvendou, então passa fome, já que nunca desvendou?
- Não disse que nunca desvendou, Excê.
- Ele então já sabe qual é o sexo.
- Também não disse isso, doutor.
- Ora, seu Lontra, então me explica essa história de uma vez por todas!
- Pois é, doutor, não tem explicação...
- Ora, seu Lontra, mas como assim?!
- Não sei assim como, Excelência, mas é assim que vai ser.
- Ué?!
- Pô, Lessa, acorda! - interveio Jonas - É assim que vai ser pro povo! É pra não entender nada mesmo! As pessoas não vão entender nada, mas vão se interessar pra caramba!
- Aaaah!
- Entendeu, doutor?
- Agora, sim!
- Pois é, doutor. Quanto menos nosso mago definir as coisas, mais dinheiro será necessário pra pesquisa. E nada se descobre, e haja pedido de verba pública pra continuar a pesquisa!
- E quem vai aprovar?
- Nós, os parlamentares, Lessa!
- E os "home" lá vão estar de acordo?
- Bicho! - contou o lobista - Já falei com eles: tem um bocado de gente entre eles que já tá escolhendo os iates pras suas amantes.
- Ah, bom!
- Vamos lá, Lessa! - Jonas bateu no ombro do outro parlamentar. - Vamos arregaçar as mangas e pôr mãos à obra. É hora de faturar, meu nego! Faturar, meu filho! Faturaaaar!
Os três trocaram abraços, sorrisos e elogios, e Armando Lontra ainda disse em tom solene e emocionado:
- Não podemos perder a oportunidade de ser inseridos neste momento histórico. São homens como nós que constroem os destinos da nação.
fim
2010
Aquela história de verbas públicas para investigação do sexo dos anjos não poderia dar certo. Armando Lontra, o lobista amigo de Jonas, ficou pelos quatro cantos da capital federal a dizer que aquela pesquisa era o ingresso no paraíso, o "filé mignon" da locupletação. Não deu outra: um desafeto botou a boca no mundo e a coisa acabou por gerar uma CPI para apuração de "possíveis" irregularidades.
Jonas, investigado, sentou-se entre os membros da comissão. As perguntas tiveram início.
- O senhor solicitou verbas públicas para pesquisas acerca do sexo dos anjos?
- Claro! Como deputado, eu tinha obrigação. Coisa de tal relevância não podia permanecer na obscuridade.
- Mas o senhor sequer pode dizer que há anjos.
- Ah, colega deputado! Aí eu protesto! É uma questão de fé, e fé eu tenho muita! Um homem de fé tem uma índole melhor. E, sinceramente, acho que essa demonstração de descrença de V.Exa. deveria levar os seus eleitores a avaliarem-no melhor.
- Mas as verbas foram públicas, não foram?
- Foram, sim, e muito bem utilizadas.
- Mas, deputado, o dinheiro foi parar em três contas bancárias: a do deputado Sandro Lessa, a do lobista Armando Lontra, e a sua, sem que um tostão fosse gasto em pesquisa. O que o senhor diria sobre isso?
- Ué? Nós não somos votados porque temos a confiança do eleitorado?
- Sim...
- Então? Uma pessoa de confiança não pode guardar consigo uma verba para certa finalidade?
- Mas deputado, não é bem assim...
- Como não? Somos de confiança e daríamos o destino devido ao dinheiro.
- Ainda que assim fosse, o senhor e o deputado Sandro Lessa são parlamentares, mas não o senhor Armando Lontra...
- Mas devia! - Jonas replicava com o dedo para o alto, fingindo veemência. - Devia ser parlamentar o meu amigo Armando Lontra! Porque prestaria relevantíssimos serviços ao país!
- Mas, deputado, ter o dinheiro em sua conta é irregular.
- Isso muito me fere a suscetibilidade. Apesar da importância da pesquisa que se tem a fazer, ainda esta CPI ficar a importar-se com pormenores tão irrelevantes...
- Irrelevante para o senhor. Mas o fato é que o dinheiro estava em sua conta e isso é ilegítimo e irregular, é um crime, deputado!
Jonas abria os braços, fingindo indignação:
- Olhe para o senhor e reflita sobre o tom em que me fala. É uma ofensa a um homem de bem. Se eu tinha a guarda do dinheiro dos anjos, é porque tenho a guarda dos anjos. O senhor nunca ouviu falar em anjo da guarda? Eu sou um homem católico e temente e devoto a Deus. Além disso, tenho um profunda ligação com os anjos, a ponto de eu e eles sermos unos... unos, nobre deputado! Sendo assim, se guardei o dinheiro deles em minha conta, é porque logicamente, já que somos unos, o que é deles é meu e vice-versa.
- Deputado Jonas Pereira Jojoba, o senhor é um caradura sem tamanho!
- Veja, nobre colega! V.Exa. continua a me desferir ofensas...
- Não é a minha intenção...
- Mas não é assim que vê o eleitorado. A sua agressividade está exposta para toda a opinião pública.
Um outro membro da CPI interveio:
- Deputado, o senhor não está aqui para acusar, avaliar ou analisar, mas para responder às perguntas...
- Tá certo, tá certo, Excelência! Mas eu só quis ponderar...
- Não cabe a V.Exa. ponderar, mas apenas responder...
- Desculpe, Excelência, se o presidente desta CPI me permitisse não ser objetivo, eu perguntaria sobre a destinação dada às verbas públicas que S.Exa. obteve para a pesquisa sobre a eficácia ou ineficácia das varinhas de condão...
O presidente da comissão se viu embaraçado e inquieto, gaguejou um "vamos ao que é pertinente", enquanto Jonas se referia aos outros interrogantes:
- O deputado Álvaro Marmelada também nunca foi investigado sobre as verbas para a construção de uma ponte para o Jardim do Éden. Da mesma forma como a deputada Guadalupe Lantra nunca foi instada a responder o que foi feito do dinheiro obtido para a construção de um ovniporto, com a finalidade óbvia de servir para pouso dos ovnis... Sem contar o deputado Zé Falamole, que nunca foi investigado sobre o numerário da rede de telefonia de alta tecnologia para a comunicação com a espiritualidade...
- Deputado Jonas! - interrompeu o presidente da CPI com vigor - Esta CPI vai entrar neste momento em recesso para avaliar o seu depoimento e os outros colhidos até o presente momento. Peço que V.Exa. esteja a postos para atender à próxima intimação, que dar-se-á provavelmente um dia desses, se Deus quiser e não chover. Estamos entendidos, deputado?
Jonas sorriu:
- Claro, Excelência! Estarei sempre disposto a esclarecer todas as questões de interesse desta tão amada nação. Os senhores, ilustres e respeitáveis deputados, têm em mim um colaborador.
E saiu Jonas, assediado por jornalistas e falando pelos cotovelos:
- Não é cabível um homem como eu ser investigado por uma CPI. Acho que os membros da comissão entenderam bem que somos homens com a mesma natureza e um objetivo comum, que é o desenvolvimento e o bem-estar do país.
2011
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