sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O DEVOTO


Reservou a manhã bela para a sacra devoção.
Caminhou até a igreja, na humildade de um asceta.
Repetiu a ladainha sem um erro nem tropeço
E rezou com o semblante suplicante dos pedintes.

Doou notas à igreja, deu moedas aos mendigos,
Comovido de ir às lágrimas co’a bondade de si próprio.

Venerou a estatueta de uma santa no altar
E sorriu com a certeza de se haver purificado.

Ao deixar a imensa igreja, foi andando pelas ruas;
Sobranceiro, bem sisudo, olhou toda aquela gente
Que não fora a qualquer missa, não se dera a qualquer reza.
Desejou que o Deus Supremo reservasse a todos eles
Os piores infortúnios e o fundo dos infernos.

Já em casa, entredentes, dirigiu-se à empregada
Com palavras de aspereza, com severo menosprezo.
Entregou tarefa dura à criança favelada
Que explorava de costume.
Mas beijou a oleogravura de Jesus crucificado.
Mas conhecia já de cor as Sagradas Escrituras;
Mas pregava em todo canto a palavra do Senhor:
Era alguém santificado, o mais sublime entre os homens.
Garantira para si uma vaga lá no Céu.

1996

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