sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

POEMA DE CONCRETO

Quero fazer um poema de arroz e de feijão,
cheio de pés no chão e dia-a-dia,
mas que nem por isto seja menos poético
que qualquer poesia ornada de rosais e de jardins.

Um poema carregado de pigarro e de olhos vesgos,
de beleza encoberta por suor e cabelos mal cuidados,
mas que nem por isto se despoje de fundos sentimentos
e das mais sublimes e dolorosas emoções.

Versos pejados de poeira de mobília e de cascalho,
mas que mesmo assim cantem as coisas mais intensas,
os desejos mais fervescentes do coração.

Quero fazer um poema cheio de frieira e cefaléia,
de emplastro, detergente, roupa suja e de cimento,
mas que encante e que enleve e que arrebate
tanto quanto os olhos súplices da amada sob os raios do luar.


II


Quero te fazer um poema sem bonitas expressões,
sem campos floreados ou luares de verão,
sem a leveza das imagens e cenários que mais se ajustam às poesias.
Quero te fazer um poema cotidiano e realista,
mas que ainda assim traduza um sentir tão sem tamanho,
que soe linda e divina a mais corriqueira das palavras.

1998

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